Minha filha voltou da escola com medo do lobo da história contada pela professora, e eu a acalmei dizendo que o lobo, como ela viu no livro, não existe. Eu não contei para ela naquele momento, mas a verdade é que há muitos lobos e que todo mundo teme o seu. Eu, por exemplo, tenho medo de um lobo que não mora no bosque, mora perto, tão perto que quando decide me visitar, vem sem convite, sem aviso, sem sinais, sem dó. Um lobo que traz doença disfarçada de tristeza.
No seu quarto, minha filha veste uma fantasia para encenar a menina que se esconde, astuta e ligeira, atrás de uma árvore. Enquanto ela foge do seu lobo imaginário, eu me lembro da última vez que o meu apareceu, e do quanto ele foi real: chegou assoprando e derrubando tudo que eu tinha demorado tanto para construir. Reconstruir, eu digo. Porque algumas vezes antes desse dia ele já tinha devorado meu sorriso, minha paz, minha vida. Chega parecendo uma tristeza leve, mas seus dentes ferozes revelam uma dor tão profunda quanto difícil de definir. Uma dor que é infinita enquanto não passa.
Sempre depois das suas visitas, eu havia me reconstruído, tijolo por tijolo, na esperança de que essa estrutura fosse mais forte e aguentasse mais. Parte da minha fortaleza era essa menina que corria pela floresta inventada com almofadas. Mas o Lobo, em tempos como os que vivemos, é mais feroz: seu sopro cinza de solidão derrubou a palha, a madeira, o tijolo, e me deixou o mais concreto vazio.
Eu disse que o Lobo mora perto, mas a verdade é pior: ele mora aqui dentro e fica à espreita: invisível, imprevisível, implacável. Depois que ele chegou, me debrucei na janela e meu olhar, tão triste, foi capaz de calar os pássaros.
“Mãe, vem brincar de lobo na floresta!”
Afastei a poeira que sobrou, me reergui e sigo aqui. É que aqui dentro moram outros também, e me ajudam a carregar os tijolos que me reconstroem. O Lobo é forte, mas dentro de mim, somos maioria contra ele. Por isso continuo aqui, entre abraços e brincadeiras, torcendo para que o Lobo desista, não volte, não assopre, não devore.
Não mais, nunca mais.